O que os dirigentes de Entidades Fechadas de Previdência Complementar precisam saber para tomar decisões éticas, sustentáveis e alinhadas aos interesses dos participantes
Assumir um cargo de direção em uma Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC) não é apenas uma função administrativa. É um compromisso com o futuro financeiro de milhares de trabalhadores e suas famílias. É estar no centro de decisões que afetam não apenas rentabilidades, mas vidas. E, em tempos de mudanças regulatórias, escândalos de gestão e aumento das exigências por transparência, essa função exige mais preparo, ética e responsabilidade do que nunca.
Neste artigo, vamos desvendar as obrigações legais e éticas dos dirigentes das EFPC, mostrando de forma clara e acessível como navegar com segurança pelas exigências do sistema, evitando riscos e garantindo a perenidade dos planos de benefícios.
Nosso foco aqui é a prevenção. E o medo — de sanções, de erros, de falhas de governança — pode ser um excelente motor para ações mais conscientes.
O que significa ser dirigente de uma EFPC?
A liderança de uma entidade de previdência complementar envolve decisões que impactam diretamente a segurança financeira dos participantes e assistidos. Isso torna essencial o entendimento de que não se trata apenas de cumprir metas financeiras, mas de respeitar princípios fundamentais como:
- O dever fiduciário — sempre agir no melhor interesse dos participantes;
- A transparência — prestar contas e comunicar decisões com clareza;
- A governança — garantir processos internos que impeçam abusos e erros;
- A conformidade regulatória — atuar dentro dos limites da lei, mesmo quando ela muda frequentemente.
Esses pilares devem guiar a atuação de qualquer dirigente, eleito ou indicado, seja em entidades públicas ou privadas.
O dever fiduciário: a obrigação de agir pelo outro
O conceito central do papel do dirigente está no chamado dever fiduciário. Previsto na Lei Complementar nº 109/2001, esse princípio jurídico exige que os gestores de fundos de pensão tomem decisões com base no interesse coletivo dos participantes, e não em pressões externas ou interesses individuais.
O problema? Muitos dirigentes ainda não compreendem que o dever fiduciário tem força legal — e que seu descumprimento pode gerar responsabilizações civis e administrativas.
Além disso, há interpretações cada vez mais amplas sobre o que significa “agir com diligência”. Isso envolve:
- Tomar decisões com base em análises técnicas sólidas;
- Documentar todos os passos e justificativas das escolhas;
- Evitar qualquer conflito de interesses, mesmo os que parecem inofensivos;
- Buscar sempre a máxima eficiência sem comprometer a segurança dos recursos.
A Operação Greenfield mostrou que erros na condução da gestão — ainda que bem intencionados — podem levar a investigações, sanções e à destruição da reputação institucional.
Riscos jurídicos: quando o dirigente pode ser responsabilizado?
O medo de responder judicialmente ou administrativamente é real — e justificado. A atuação em desacordo com o dever fiduciário, com as regras da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) ou com as normas internas da EFPC pode gerar:
- Responsabilização pessoal, com bloqueio de bens;
- Multas administrativas;
- Impedimento de atuar no sistema;
- Processos judiciais, inclusive por parte dos próprios participantes.
Mesmo decisões tomadas coletivamente podem ser questionadas caso falte a devida justificativa ou se haja negligência em suas análises.
Por isso, o dirigente precisa adotar uma cultura de compliance ativo. Isso inclui revisar contratos, validar políticas internas, checar a composição das carteiras de investimentos e acompanhar auditorias com atenção redobrada.
Transparência: comunicar é também uma obrigação
Outro ponto central da gestão nas EFPC é a prestação de contas clara e contínua. Participantes e assistidos não são apenas beneficiários: são donos dos recursos.
O dirigente precisa entender que ocultar, omitir ou dificultar o acesso às informações não é apenas ruim para a imagem da entidade — é ilegal. A Resolução CNPC nº 19/2015 trata especificamente da governança nas EFPC, estabelecendo que a transparência deve ser um princípio orientador da atuação.
Boas práticas de prestação de contas incluem:
- Relatórios de gestão objetivos e acessíveis;
- Reuniões abertas com os participantes;
- Explicação clara de eventuais déficits ou ajustes nos planos;
- Estímulo à participação nos conselhos e nas eleições internas.
Transparência não é sobre mostrar só o que é bom. É sobre gerar confiança, mesmo em tempos difíceis.
O papel dos participantes: quem são os verdadeiros donos dos fundos?
A previdência complementar tem uma característica única: os beneficiários são, na prática, os proprietários dos recursos acumulados. Isso significa que qualquer decisão que envolva esses ativos deve considerar sua vontade.
Nos últimos anos, esse entendimento ganhou força com a defesa do chamado direito patrimonial disponível. Ou seja, os participantes devem ser consultados sempre que houver:
- Mudanças na política de investimentos;
- Fusões ou incorporações de planos;
- Alterações em regras de benefícios;
- Negociações envolvendo superávits.
A Resolução Previc nº 23/2023 avançou nesse sentido ao fortalecer a representatividade das entidades em processos de mediação, conciliação e arbitragem. Com isso, aumenta-se a pressão sobre os dirigentes para que dialoguem com clareza e transparência com os participantes.
A importância da governança participativa
Dirigentes que ignoram os mecanismos de participação ativa colocam em risco não apenas a governança da EFPC, mas também a sustentabilidade do próprio plano de benefícios.
A Resolução CNPC nº 30/2018, que trata da utilização de superávits e do equacionamento de déficits, reforça o papel dos conselhos deliberativo e fiscal na tomada de decisões. É fundamental que esses órgãos funcionem plenamente, com membros capacitados e independentes.
Algumas medidas recomendadas:
- Fortalecer os processos de seleção de conselheiros;
- Oferecer capacitação contínua aos membros da diretoria;
- Criar mecanismos para escuta permanente dos participantes.
Essas ações reduzem os riscos de judicialização e aumentam a legitimidade das decisões internas.
Modernização regulatória: um novo ciclo de exigências
As normas que regem as EFPC estão em processo constante de revisão. O Decreto nº 4.942/2003, que define diretrizes para investimentos, tem sido objeto de propostas de atualização. Além disso, o CMN (Conselho Monetário Nacional) vem discutindo mudanças importantes nas regras de solvência e estruturação dos planos.
O dirigente precisa estar atento a essas mudanças e adotar uma postura proativa. Isso inclui:
- Acompanhamento de consultas públicas;
- Leitura frequente dos boletins da Previc;
- Participação em grupos técnicos das entidades representativas;
- Apoio jurídico para interpretar os impactos normativos nas decisões do dia a dia.
Ignorar o processo de modernização regulatória é caminhar em direção ao erro — mesmo sem intenção.
Conclusão: responsabilidade não se delega
Ser dirigente de uma EFPC é, antes de tudo, um compromisso com a ética, com a técnica e com a confiança coletiva.
A função exige atenção constante às normas, aos princípios de governança e, principalmente, ao dever fiduciário. Em um cenário cada vez mais complexo, de instabilidade econômica e mudanças regulatórias, não há espaço para decisões impulsivas, omissas ou mal justificadas.
O escritório Fernando Parente Advocacia acompanha de perto a evolução do sistema de previdência complementar e compartilha conhecimento com entidades e dirigentes de todo o país. Acreditamos que o acesso à informação clara, prática e fundamentada é o melhor caminho para fortalecer o setor e proteger os direitos dos participantes.
Ao agir com responsabilidade, os dirigentes não apenas evitam riscos legais, mas também constroem um sistema mais justo, sólido e confiável. E, neste contexto, o medo — quando bem canalizado — é uma ferramenta poderosa para garantir decisões mais conscientes e alinhadas com o verdadeiro propósito da previdência complementar: segurança no presente e tranquilidade no futuro.